Negócios. Aprenda a saber em quem pode (ou não) confiar
Imagine que está a
negociar um contrato multi-anual para fornecer serviços de outsourcing a uma
grande empresa. O cliente diz-lhe que pretende assinar um contrato para um
certo nível de entregas, mas gostaria que, eventualmente, lhe fornecesse
serviços além dos planeados, confiando que você será capaz de definir as
condições para os recursos adicionais à medida que as necessidades surjam. Deve
concordar?
Ou imagine
que um potencial parceiro de negócios pretende comprar-lhe serviços no valor de
12 milhões mas, devido a constrangimentos orçamentais temporários, apenas pode
gastar 10 milhões. Ele acena-lhe com a perspetiva de oportunidades de
rendimento a longo prazo em troca do desconto, mas diz que ainda não se pode
comprometer a nada. Deve aceitar o acordo?
Situações
como estas representam um dilema para qualquer gestor e as respostas não são
óbvias. Se optar por confiar em novos clientes, subcontratados ou
colaboradores, torna-se vulnerável: os seus resultados, financeiros e não só,
dependerão da fidelidade deles. Porém, se insistir em verificar cada afirmação
e conhecer todos os pormenores antes de assinar um contrato, atrasará o
processo e aumentará os custos, colocando-se potencialmente em desvantagem.
Os dois
cenários descritos acima foram-me contados por um amigo - chamemos-lhe Rob -
que é sócio de uma das maiores empresas mundiais de consultoria. (Visto que
falamos de confiança, recorremos a um pseudonimo para proteger o seu anonimato,
assim como o da empresa e o dos clientes.) Embora ele tenha concordado com as
propostas de ambos os clientes, as suas decisões de confiar conduziram a
resultados muito diferentes. O primeiro cliente tomou o assentimento de Rob
como uma confirmação de que ele e a sua grande empresa eram os detentores do
poder naquela relação e podiam, portanto, ditar condições para o trabalho
futuro; à medida que o tempo passava, ele deixou claro que, se as exigências
cada vez menos razoáveis da empresa não fossem satisfeitas, mudaria para um
fornecedor mais solícito. O segundo cliente, pelo contrário, provou ser digno
de confiança e o rendimento a longo prazo que gerou para a empresa de Rob mais
do que compensou o desconto oferecido no primeiro contrato.
O sucesso
nos negócios requer, inquestionavelmente, alguma boa vontade de cooperação
através da fé que depositamos nos outros. A questão é, quanta fé, e em quem?
Décadas de
pesquisas científicas mostram que a exatidão com que as pessoas decidem se
alguém é de confiança tende a ser apenas ligeiramente melhor que o simples
acaso. Porém, isto não acontece por a fiabilidade ser completamente impossível
de prever, e sim porque as linhas de orientação que a maioria de nós usa para
fazer essa previsão são deficientes. Colocamos demasiada ênfase na reputação e
na autoconfiança que percebemos nas pessoas, ignorando o facto de o
comportamento humano ser sempre sensível ao contexto e, muitas vezes, ser
melhor avaliado pela nossa própria intuição. Então, quando o dinheiro e os
recursos da nossa empresa estão em jogo, como podemos fazer um melhor
julgamento da confiabilidade e melhorar assim as nossas possibilidades de
sucesso?
Este artigo
baseia-se numa pesquisa em desenvolvimento, para mostrar como a confiabilidade
funciona, e oferece quatro pontos a ter presentes da próxima vez que tiver de
decidir se deve ou não negociar com um novo parceiro.
A integridade pode
variar
A maioria
das pessoas usa a reputação como uma prova de integridade. A empresa revelou
ser de confiança no passado? Os clientes anteriores afirmarão que se trata de
um bom parceiro de negócios? As respostas a estas perguntas são as mais
procuradas no mundo dos negócios. Dezenas de websites e recursos, desde a
Angie"s List ao Stack Overflow, surgiram para satisfazer a procura. Mas
essas estratégias têm um problema. Ao contrário do que geralmente se acredita,
a integridade não é uma característica estável: alguém que foi justo e honesto
no passado, não será necessariamente justo e honesto no futuro.
Para
compreender porquê, temos de pôr de lado a noção de que as pessoas lutam contra
impulsos de "bem" e "mal". Exceto nos casos de
psicopatologias sérias, não é assim que a mente funciona. Pelo contrário,
concentra-se em dois tipos de ganhos: a curto e a longo prazo. E é o
compromisso entre ambos que, normalmente, dita a integridade num determinado
momento. Os indivíduos que quebram a confiança - prometendo trabalho que não
querem ou podem entregar, por exemplo, - podem conquistar uma recompense
imediata, mas reduzem a probabilidade de acumular benefícios maiores através da
troca e cooperação com o mesmo parceiro (e talvez outros) no futuro. Qual é o
melhor resultado? Depende da situação e das partes envolvidas.
Pensemos na
batota. Conduzi, juntamente com o psicólogo Piercarlo Valdesolo, da
Universidade de Claremont McKenna, muitas experiências acerca deste assunto, e
chegámos frequentemente a um resultado surpreendente (se bem que desanimador):
90% das pessoas - a maioria das quais se identifica como moralmente
respeitáveis - agirão desonestamente para seu próprio proveito se acreditarem
que não serão apanhadas. Porquê? O anonimato significa que não sofrerão
qualquer custo a longo prazo. Ainda mais perturbador é o facto de a maioria dos
que fazem batota também recusarem rotular as suas ações de pouco dignas de
confiança; racionalizam o seu comportamento, mesmo que o condenem nos outros.
A conclusão
é clara: a fiabilidade depende das circunstâncias. Se uma subcontratada que
promete trabalho se encontra sob pressão significativa para reduzir os custos e
poder atingir os objetivos do fecho do ano, estará concentrada nas questões de
curto prazo, o que pode causar-lhe um deslize na integridade. Do mesmo modo, se
um vendedor está prestes a fechar um grande negócio mas planeia sair da empresa
em breve, os cálculos tornam-se muito simples: concorda com as exigências
futuras e não se importa com as consequências. Por isso, lembre-se, uma
reputação ganha a negociar com um cliente quando está em jogo um determinado
conjunto de custos e benefícios, talvez não se mantenha quando as
contrapartidas ou a possibilidade de ser responsabilizado mudarem.
O poder corrompe
De que homem
espera mais honestidade: do que usa um fato Armani ou do que veste um blusão
desportivo comprado num armazém? Embora o vestuário possa parecer irrelevante,
uma pesquisa conduzida por Paul Piff, psicólogo social de Berkeley, sugere que
os indicadores de estatuto sócio econômico podem prever a fiabilidade.
Revelou-se que a um maior estatuto e poder corresponde um menor grau de
honestidade e fiabilidade. Numa certa experiência, Piff e os colegas pediram aos
participantes que representassem o papel de um recrutador. Os participantes
foram informados de uma vaga temporária, que não duraria mais de seis meses, e
falaram-lhes de um candidato muito qualificado a quem apenas interessava uma
posição a longo prazo. Quando lhes pediram que preparassem os seus discursos
para persuadirem este candidato, os recrutadores com maior estatuto
sócio econômico, não só não informaram o candidato de que o emprego era
temporário, como admitiram aos responsáveis pelo estudo que, se este
perguntasse, lhe mentiriam acerca da duração do trabalho.
Com base
nesta e noutras descobertas, poder-se-á pensar que os ricos, simplesmente, são
menos dignos de confiança que os pobres, mas não é exatamente o caso. A
honestidade de uma pessoa depende dos seus sentimentos relativos de poder - ou
vulnerabilidade - e não de quanto tem no banco. Trabalhos do psicólogo Joris
Lammers, da Universidade de Colónia, provam este ponto. Lammers distribuiu
arbitrariamente por várias pessoas as funções de "chefe" ou de
"seguidor" num escritório simulado e descobriu que a maior parte das
pessoas temporariamente elevadas a funções mais importantes apresentavam um
maior grau de hipocrisia - eram rápidos a condenar os outros por comportamentos
sem ética ou em proveito próprio, mas consideravam aceitáveis as suas próprias
ações semelhantes.
Quando
alguém tem um estatuto mais elevado que o seu, ou simplesmente pensa que o tem,
a sua mente informa-o de que você precisa dele mais do que ele precisa de si.
Em resultado, é mais provável que satisfaça desejos a curto prazo e se preocupe
menos com as consequências a longo prazo de não ser digno de confiança. Assim
sendo, quando estiver a decidir em quem pode confiar ou não, tem de considerar
diferenças de poder, incluindo também as que são recentes e temporárias. Se um
potencial colaborador acabou de ser promovido ou conseguiu um grande contrato,
pode ver algumas relações como menos importantes. E, embora as empresas de topo
tenham frequentemente muito boa reputação, isso não significa que tratem os
clientes pequenos tão bem como tratam os maiores.
A confiança mascara
muitas vezes a incompetência
Claro que a
integridade não é tudo. A competência também conta: intenções honrosas pouco
importam se as capacidades da pessoa não estiverem à altura da tarefa. As
nossas mentes reconhecem este facto desde uma idade surpreendentemente precoce.
Por exemplo, as crianças de quatro anos procuram e acreditam na informação dada
por instrutores que elas percebem como mais competentes, de acordo com uma
pesquisa do professor de Harvard Paul Harris.
A
autoconfiança é tão atraente que muitas vezes confiamos cegamente em quem a
transmite, sobretudo se estiverem em jogo dinheiro ou outros recursos. Por
exemplo, as pessoas estão mais dispostas a confiar e a usar informação
oferecida por aqueles que parecem confiantes quando trabalham com problemas dos
quais podem obter benefício, como demonstram os trabalhos dos psicólogos da
Universidade de British Columbia, Jason Martens e Jessica Tracy. Do mesmo modo,
na minha própria pesquisa com Lisa Williams, da Universidade de Nova Gales do
Sul, descobrimos que, em grupos recém-formados, as pessoas que exprimiam
orgulho eram as que rapidamente ascendiam a posições de liderança, ainda que as
capacidades de que derivava o seu orgulho não fossem relevantes para a tarefa
em mãos.
Com
demasiada frequência, no entanto, confundimos a autoconfiança com verdadeira
capacidade. Se alguém puder apoiar as suas bravatas num desempenho consistente,
isso não tem mal algum. Contudo, se se deixar levar por uma pose vazia ou
enganadora, terá um problema.
Qual a
melhor maneira para avaliar a competência? Faça o seu trabalho de casa. Embora
a reputação nem sempre seja um bom indicador de integridade, é um bom indicador
de competência. Isso acontece porque as capacidades são relativamente estáveis,
independentemente das recompensas, não sendo, por isso, sujeitas a um cálculo
moral. Assim, quando perceber que o líder de uma empresa tem grande confiança
em si mesmo, fale com os seus empregados, fornecedores e clientes, tanto atuais
como antigos, para confirmar que é mesmo assim.
Não faz mal confiar
nos seus instintos
Investigadores
das comunidades acadêmica, comercial e militar, passaram anos a tentar
descobrir alguns métodos simples para detetar a fiabilidade mas, apesar dos
seus melhores esforços, continuam a não conseguir. Lembra-se de todos aqueles
livros que prometem ensinar-lhe como detetar mentirosos através da linguagem
corporal? Nenhum deles tem suporte empírico. E, como revelou um relatório
recente do Government Accounting Office, nem as táticas em que os agentes do
Departamento de Segurança Interior e de Segurança nos Transportes são treinados
funcionam completamente.
A tentação,
claro, é a de procurar um "indício" que nos informe quando alguém não
é digno de confiança. Será um sorriso falso? Olhos inquietos? A verdade, porém,
é que todas as pistas isoladas são ambíguas. Se alguém toca a própria cara,
pode estar, inconscientemente, a tentar esconder alguma coisa - ou pode ter
comichão. Para aferir com exatidão as intenções do outro, tem de procurar um
conjunto de pistas - gestos que, em conjunto, podem prever ou revelar
motivações com mais exatidão. A boa notícia é que a maioria das pessoas já o
faz instintivamente.
Quatro sinais de que
alguém não é digno de confiança
Ao contrário
do que a sabedoria popular pensa, não há um "indicador" único que nos
ajude a detetar que alguém não merece confiança. Pelo contrário, tem de
procurar estas quatro pistas em conjunto para prever com mais exatidão se uma
pessoa é digna de confiança ou não.
Numa
experiência recente com colegas da Cornell e do MIT, filmamos pessoas que
mantinham uma breve conversa para se conhecerem, cara a cara ou via chat
online, antes de participarem num jogo econômico que comparava o interesse
próprio e a cooperação. Embora o nível médio de cooperação fosse igual em ambos
os grupos, as previsões que as pessoas fizeram acerca da honestidade com que os
seus parceiros agiriam ao realizar trocas monetárias foram significativamente
mais exatas entre os que tinham agido cara a cara. Isto provava a existência de
um sinal relevante de fiabilidade.
Para
descobrir qual era, comparamos conjuntos de pistas não-verbais coligidas das
gravações, para ver quais as que indicavam um comportamento indigno de
confiança. Descobrimos quatro - afastar o corpo na direção contrária à do
parceiro, cruzar os braços, tocar as mãos e tocar o rosto - que eram bons
indicadores caso ocorressem em conjunto. Quanto mais frequentemente um
indivíduo expressasse essas quatro pistas, mais demonstrava preocupar-se com o
seu próprio proveito, recusando-se a partilhar lucros com o parceiro. E quanto
mais o parceiro percebesse essas pistas, mais esperava que fizesse batota. O
curioso foi que os participantes que conversaram ao vivo não tinham consciência
de estarem a usar essas pistas para inferirem se o outro era merecedor de confiança;
tinham desenvolvido intuições mais corretas sem serem capazes de explicar
porquê.
Repetimos
então a experiência com uma alteração importante: desta vez os participantes
conversaram, não com um humano, mas com um robô humanoide, programado para
exprimir, quer as quatro pistas que nos interessavam, quer pistas neutras. O
robô permitia um controlo perfeito: podia repetir os gestos-alvo com uma
precisão que nenhum ator humano conseguiria, o que nos permitiu estabelecer o
poder das quatro pistas. E os resultados foram os previstos: quando as pessoas
viam o robô exprimir as pistas-alvo, afirmavam confiar menos nele e esperar
mais que os enganasse.
Estas
descobertas demonstram que as nossas mentes estão equipadas com detetores de
fiabilidade. Também reforçam o valor potencial das intuições. O problema é que
os gestores e negociadores suprimem muitas vezes a sua maquinaria instintiva,
por (a) a ignorarem, a favor do que acreditam ser indicadores mais racionais do
merecimento de confiança, como a reputação ou o estatuto, ou (b) procurarem os
"indicadores" não-verbais errados.
Sugerimos
que deixe a sua mente chegar a um julgamento sem perturbações. Pesquisas
recentes conduzidas por Marc-André Reinhard, da Universidade de Mannheim,
confirmam a eficácia deste método. Os investigadores puseram os participantes a
assistir a vídeos de pessoas honestas e falsas. Logo a seguir, metade dos
participantes foi incentivada a julgar quem era digno de confiança, enquanto os
outros foram levados a distrair-se com uma tarefa diferente. O segundo grupo
revelou-se significativamente mais exato na identificação subsequente de quem
era digno de confiança. Porquê? A distração permitiu que as suas mentes não
conscientes extraíssem significado da multitude de pistas não-verbais, sem o
obstáculo da interferência analítica.
3 regras para
despertar a confiança nos outros:
Seja generoso
Os
sentimentos de gratidão desenvolvem um comportamento digno de confiança.
Em estudos
recentes, a minha equipa e eu pedimos aos participantes que lidassem com um
problema difícil e depois introduzissem um "benfeitor" para os ajudar
na sua resolução. Em tarefas subsequentes, os participantes que tinham
exprimido mais gratidão aos seus benfeitores apresentaram, não só mais
probabilidade de trabalhar arduamente para os ajudar e proteger, mas também
distribuíam os lucros mais equitativamente com eles.
Lição: dar aos novos parceiros uma razão para se sentirem gratos é uma
situação em que todos ganham: a curto prazo, eles beneficiam da sua
generosidade, e você desfrutará da recompensa da sua lealdade.
Enfatize as
semelhanças
Fazemos
instintivamente avaliações dos parceiros que valem o risco de confiarmos neles,
usando um atalho muito simples: as semelhanças.
Num estudo
recente que realizei com Piercarlo Valdesolo, manipulámos subtilmente as
perceções dos sujeitos acerca de si mesmos em comparação com outros - por
exemplo, fazendo-os usar pulseiras da mesma cor que estranhos. Aqueles de quem
se pretendia uma ligação sentiram mais compaixão pelos seus parceiros e foram
mais frequentemente em seu auxílio, mesmo com custo para si próprios.
Lição: enfatizar terrenos de interesse comum aumenta a probabilidade de o seu
parceiro o ver como alguém com quem é possível construir uma relação duradoura
e benéfica.
Não castigue
Ameaças de
castigo podem evitar o comportamento indigno de confiança no momento, mas essas
estratégias tornam-se contraproducentes.
Por exemplo,
num estudo recente da Universidade de Leiden, os participantes de um jogo de
"bens públicos" que foram avisados de início que seriam sancionados
caso desviassem lucros do grupo para benefício próprio, mostraram menos
confiança uns nos outros e foram menos cooperativos que os que não tinham
recebido esse aviso.
Lição: como as ameaças e sanções reduzem a crença de que toda a gente está
intrinsecamente motivada para ser honesta, fazem com que os novos parceiros
tenham menos probabilidade de assumir riscos para se apoiarem uns aos outros.
É claro que
não deve confiar cegamente na sua intuição, mas deve usá-la como um elemento de
informação valioso. Conhecer as pistas corretas a procurar também aumenta a sua
precisão, pois será menos influenciado pelas interpretações erradas comuns
acerca da confiança. Lembre-se, contudo, de que a linguagem corporal apenas
fornece pistas acerca das intenções atuais de um parceiro. Uma maior exatidão
será obtida se considerar as mudanças de circunstâncias que podem surgir mais à
frente.
Será melhor
confiar do que não confiar? Se não sabe nada acerca da situação de potenciais
parceiros e não puder interagir com eles cara a cara, a resposta é,
provavelmente, sim. Os modelos mais aceites sugerem que uma tendência para a
confiança é preferível quando não tem nenhuma informação, pois os ganhos das
relações longas tendem a compensar as perdas pontuais. Porém, quando tem uma
sensação da situação do seu parceiro e pode lidar pessoalmente com ele, deve
dispensar as suas noções acerca do funcionamento da confiança e recordar estas
quatro regras.
Por - David
DeSteno , site dinheirovivo
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