Quando o amor acaba


Assim como os casamentos, as sociedades empresariais foram feitas para serem relações perenes, mas nem sempre é isso que acontece. Saiba o que é preciso para evitar e administrar “divórcios” organizacionais.

Cesar Damiani vendeu suas cotas como sócio do Grupo Santo Anjo em troca da Transportes Alvorada,
que fechou 2011 com 25% de crescimento.

Uma sociedade empresarial é como um casamento. Enquanto alguns se tornam parcerias de colaboração sinérgica de longa data e decolam para as estrelas, outros “simplesmente” não dão certo. No caso das empresas, as causas do insucesso são as mais diversas; vão desde a diferença na forma como cada um vê o negócio, até a problemas que entram no campo pessoal e privado de cada um dos sócios.

Nenhuma organização que seja composta e gerida por seres humanos está isenta desta realidade. Na história recente, vimos gigantes sociedades anônimas se separando, como foi o caso da fusão mal sucedida da DaimlerChrysler, que terminou em cisão. No Brasil, podemos recordar dos problemas que a rede Pão de Açúcar encontrou ao buscar sócios como Casino, Carrefour e Casas Bahia. Se corporações de proporções globais assessoradas por dúzias de advogados e consultores de governança sofrem com a complexidade de introduzir ou retirar um novo sócio, imagine as limitadas.

Jogos de poder, processos de sucessão, diferença de opiniões sobre o futuro do negócio e na gestão do dia a dia são alguns dos fatores que desgastam a relação societária. As rusgas às vezes chegam a tal ponto que inviabilizam o diálogo entre os sócios, levando o ajuste de contas da empresa para os tribunais.

Porém, nem toda cisão deve ocorrer de maneira negativa. É o que crê o consultor Luciano Marcelino, da Standard Consultoria, de Tubarão. O especialista em gestão de negócios já foi responsável por organizar e conduzir inúmeras separações de empresas e saídas de acionistas, inclusive a dele próprio.

Luciano e seus sócios estavam à frente da Notória Consultoria, que contava com uma equipe de mais de 90 profissionais atuando em vários segmentos. Por questões estratégicas, a empresa decidiu focar-se em gestão hospitalar e da saúde, setor em que é até hoje uma das principais referências da América Latina. “Eu era um dos únicos fora do eixo Rio-São Paulo. Sendo assim, amigavelmente resolvi sair para assumir os negócios  que estavam ligados à área governamental, empresarial e educacional para montar a Standard. A Notória hoje é nossa parceira”, lembra o administrador.

O consultor avalia que a experiência de sua própria separação teve um saldo positivo levando em conta que os dois lados conseguiram sair satisfeitos, o que não acontece em todos os casos. “Rompemos o contrato social, mas hoje temos um contrato de cooperação. Isso decorreu de uma decisão do planejamento estratégico de maneira amistosa”, conta Luciano.

Algumas sociedades começam por complementaridade, seja ela financeira, gerencial ou intelectual. Na primeira, o empreendedor busca o que se chama de sócio-investidor para capitalizar o projeto - os angels são bons exemplos desse tipo de relação. Já o sócio-diretor é a figura que o empresário possuidor de uma tecnologia, ou capital intelectual, procura para transformar o seu produto em uma oportunidade de negócios, ou ainda para gerir a sua organização.

Luciano Marcelino, da Standard Consultoria. Ao longo de sua carreira, negociou várias cisões societárias - inclusive a dele próprio.


A escolha societária nem sempre tem esses critérios como pilares, a exemplo dos sócios por afinidade, que é quando a parceria se baseia em amizade, coleguismo e confiança.

Talvez a situação mais sensível seja a das sociedades familiares. Na falta de políticas de governança, os problemas da empresa acabam se tornando rixas pessoais, e o mesmo acontece de forma inversa. Quanto maior o número de gerações, mais a questão se complica, pois o que era problema de um casal, vira briga de irmãos, depois de primos, e assim sucessivamente.

Fundada em 1947, a Santo Anjo, que atua no segmento de transporte rodoviário e de cargas, trouxe a famíla para dentro de seu negócio. Cesar Damiani fazia parte da segunda geração no processo sucessório. Ele havia começado na empresa com 13 anos de idade, no departamento de entregas de encomendas, e depois passou por todos os setores da organização. Com isso, conseguiu construir sua carreira dentro da companhia, adquirindo experiência naquele ramo.

A transportadora cresceu e abriu novas marcas, se tornando mais tarde o Grupo Santo Anjo. O crescimento acompanhado da inserção dos novos sócios fez com que ocorresse uma diferença de opiniões internas em 2007. “A empresa alcançou a maturidade não tendo se preparado para os novos negócios e para a própria sucessão. Foi nessa época que a situação ficou crítica, pois discordava da maneira com que a firma estava sendo administrada”, revela  Damiani.

Cesar propôs aos seus sócios uma troca. Ele compraria integralmente as cotas da Alvorada - uma das companhias de transporte rodoviário do grupo - enquanto eles adquiririam sua participação nas outras empresas do grupo. Negócio foi feito em agosto de 2009.

A Alvorada na época atuava somente no ramo de transporte municipal e intermunicipal de passageiros. Sob nova direção, a empresa entrou nos segmentos executivo, fretamento turístico, estudantil, transporte para funcionários de empresas e na área da saúde para prefeituras.

Em 2010, a companhia entrou no setor de cargas fracionadas, possuindo atualmente cerca de 170 colaboradores e 70 veículos, entre ônibus, micro-ônibus, vans, caminhões e automóveis. A Alvorada fechou o ano com um incremento de 25% em seu faturamento com relação a 2010.

A experiência mostrou ao empresário que o segredo para um bom processo de separação societária é possuir um mediador nas negociações. O consultor da Standard vai além e diz que “é preciso dois tipos de suporte  nessa hora. Um jurídico que defenda de maneira imparcial e idônea os sócios, e outro na parte de gestão para pensar nos desdobramentos que a cisão terá sobre o negócio como um todo”, recomenda Luciano Marcelino.

Quando a situação se torna realmente inviável, o ideal é procurar um especialista para garantir que tudo ocorra da forma mais transparente e sem lesar a organização. A advogada Norma Martins lembra o novo Código Civil, que trouxe diversas inovações nesse sentido, com as novas disposições quanto à forma e aos requisitos para a saída do sócio minoritário. “A exclusão somente poderá ocorrer quando aprovada  pela maioria dos sócios capitalistas, ou seja, que representem mais de 50% do capital social”, comenta a jurista, ressaltando que, para que isso ocorra, seja necessário que a cláusula esteja disposta no contrato social.

A advogada Norma Martins enaltece a importância do acompanhamento dos trâmites do processo de
cisão para que pendências não se tornem um problema para as partes.


Um erro que acontece com certa frequência nas separações societárias é quando os sócios tentam realizar o processo por conta própria, sem uma orientação para saber quais serão os papéis necessários que devem ser assinados e que tipo de acompanhamentos precisam ser feitos. É comum ouvir histórias de ex-sócios que recebem contas, notificações e processos jurídicos pelo fato de seus nomes ainda aparecerem no contrato social da antiga empresa, ou ainda em outros documentos legais.

Para que o empresário que está deixando a sociedade tenha a segurança de não encontrar nenhum “fantasma” do passado, é preciso exigir um balanço patrimonial que demonstre a situação atual da empresa. Ele também precisa realizar a sua saída através de alteração no contrato social, acompanhando a averbação deste na junta comercial de seu estado, e ainda averiguar junto à receita municipal, estadual e federal através do seu contador.

O balanço patrimonial - que é a demonstração onde são discriminados todos os bens, direitos e obrigações de empresa - deve ser o ponto de partida para se debater os direitos de cada sócio. Nele existe um campo chamado patrimônio líquido, onde constam o capital investido e os lucros acumulados ao longo dos anos na firma.

Agora, para os sócios que estão em busca de uma reconciliação ou de uma forma de profissionalizar a gestão, uma boa dica é aderir a práticas de governança corporativa indicadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Tais ações nasceram na década de 90 nos Estados Unidos, por acionistas que buscavam uma forma de proteção contra diretorias executivas abusivas, conselhos de administração inoperantes e de auditorias externas omissas.

A governança corporativa surgiu para superar o “conflito de agência” decorrente da separação entre propriedade e gestão empresarial. Nesta situação, o proprietário (acionista) delega a um agente especializado (executivo) o poder de decisão sobre sua propriedade. No entanto, os interesses do gestor nem sempre estarão alinhados com os do proprietário, resultando em um conflito de agência ou conflito agente-principal.

A grande preocupação da governança é criar um conjunto eficiente de mecanismos, para o incentivo e monitoramento, a fim de assegurar que o comportamento dos executivos esteja sempre alinhado com os interesses dos acionistas. O IBGC oferece um código de melhores práticas e um banco de conselheiros que podem auxiliar na composição de conselhos de administração, figurando imparcialmente na gestão de um negócio. “Pode-se adotar um modelo de governança numa micro, pequena ou grande empresa. É ilusão achar que governança só se aplica às gigantes”, afirma o consultor da Standard, Luciano Marcelino.



Fonte .:  Negócios & Empreendimentos

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